quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nós somos...

Presságio

“Uma tempestade quebrará o silêncio...”


O ar ficava mais denso a cada segundo que se passava, os pulmões esforçando-se para não entrarem em colapso. Sob as chamas da revolução, restava apenas o feito - não poderia voltar atrás, não agora. Enquanto a fumaça subia aos céus e a multidão invadia as ruas, a certeza de que acabara se tornava cada vez mais evidente.

Sentia como se fosse ontem, o seu primeiro contato com o Nós, logo após o incêndio nas plantações de milho da cidade. Centenas de pessoas morreriam de fome pela vontade do imperador que, como de usual, justificava as suas ações com base na mais forçada desculpa de que, em tempos difíceis, era necessário passar-se por uma prova de fé. Babilônia, em homenagem à antiga cidade acádia, já não era mais a mesma; na verdade, Babilônia nunca foi nada. Apenas cresceu – e como cresceu! - por cima das cinzas do inverno nuclear que viria depois da guerra. Porém, se é que existe motivo para orgulho, talvez tenha sido a única. Aqueles capazes de provar a existência de outras cidades eram os mercenários escolhidos pelo Congregado ou os fugitivos e exilados. Para todos os efeitos, uma vez que deixavam a cidade, não havia retorno ou este era acompanhado de execução pública sumária, após terem toda e qualquer informação arrancada de suas mentes pelo uso de algum procedimento de rotina certamente nada diplomático - “Inimigos da verdade”, eles diriam.

Pois desta vez haviam passado dos limites. O povo estava fraco, cansado, precisava de heróis; não veria a sujeira do império nem se ela estivesse sobre os carpetes de suas maltratadas portas. Era hora de dar o troco, definitivamente. Nós, a Resistência, localizava-se nos arredores da cidade, à procura de qualquer um que estivesse disposto a contribuir com a causa. Durante anos, travavam a maior guerra ideológica que Babilônia jamais presenciaria. Saques, roubos, seqüestros, destruição de objetos de culto, emboscadas aos carregamentos de indulgências, tudo sob o mais inviolável sigilo possível. Afinal, não era interessante que a revolta explodisse nas ruas, sem dúvida as conseqüências seriam as piores para ambos os lados.

Mas era uma tarefa árdua deixar de notar um pensamento comum a todos aqueles que escolheram fazer parte da queda: o fim, após o fim, seria inevitável. Ou não seria? A verdade era que tal possibilidade assombrava a sua cabeça por meses. Por ora, julgou mais prudente ignorá-la.

Sentou-se à sacada do Capitólio: o salão às suas costas, agora manchado com sangue nobre e plebeu - no final das contas, era apenas sangue; as pinturas sagradas, há muito martirizadas. Puxou um dos seus três cigarros do bolso frontal do colete e o acendeu. À sua frente, uma enorme nuvem negra se formara no horizonte avermelhado. Respirou fundo e deu a primeira tragada...